Wednesday, August 23, 2006

Mudou-se

Descobri seu novo endereço, sem querer, em uma terça de tarde. Nunca ia saber que você estava morando lá. Você não deixou aviso, também não mandou ninguém telefonar. Mas um dia, como por vontade do destino, estava eu ali, bem a te espiar. Desde essa tarde nada mais foi igual. Sem perceber, eu sempre dava um jeitinho de te ver. Quem mandou morar tão perto do meu trabalho, da minha casa, da minha aula de ginástica, da minha reunião chata de negócios, do meu programa predileto de tv. Sem muito esforço, conseguia te ver estudando, trabalhando, sorrindo, dormindo. Chegava até mesmo a conversar com você. Pedia e dava explicações, declarações, contava sobre o carro quebrado, o doce de goiaba que comi no meio-dia. Querendo ou não te encontrar, sempre acontecia. Tudo estava tão perfeito se não fosse perigoso. Um vício, quase um monólogo, um segredo de psicólogo, um abuso essa sua mania de também aparecer. Vai ver o culpado era mesmo você. Me vinha com cara de quem quer um abraço, um colo, qualquer notícia urgente! Vinha me esquecendo ou me lembrando da gente. Nada foi igual desde o dia em que você se mudou. E foi morar justo no meu inconsciente.

Friday, August 11, 2006

Feliz é

Ela queria que tudo fosse eterno. Ela achava que era. Ela dormia e acordava com uma certeza de que ainda era Hoje. Corria ao encontro das mesmas pessoas, via o mesmo dia, saía pra sentir o mesmo brilho do sol, porque tudo é. Alegre é. Ela nem sabia o que queria dizer Ainda. Mas de tudo que achava eterno, uma coisa que ia se tornando eterna era sua vontade de que tudo fosse eterno. No caminho, uns não acreditavam em vida após a morte. Outros não acreditavam em vida extra-terrena. A minha alma simplesmente não acreditava em Amanhã.

Tuesday, August 08, 2006

Fiquei ali colorindo o ar. Cada vez que respirava soprava os tons úmidos do arco-íris, naquele quartinho tão especialmente normal... Fiquei ali, acima de tudo. Um nível acima da cama, um tempo acima das horas. Você sentado e eu ali voando, disfarçadamente. Você contando de você. Eu, ponta de estrelas. Lá fora uma lua linda como todos os dias, uma noite incrível como outra qualquer. A mesma moldura de janela. Mas aqui dentro, aqui dentro discretamente. Azul, verde, lilás...

Monday, August 07, 2006

Para os que não adolescem

Meus sentimentos não crescem. Não amadurecem. Não aprendem com as experiências da vida, nem se endurecem com os sofrimentos. Eu envelheço. Eles não. São sempre novas crianças nascendo em mim. Sempre jovens, ingênuos, cheios de vida e isentos de qualquer maldade. Recebo-os do alto, como se concebe a um filho, venham como vierem. Lúcidos ou Loucos. São sempre amados. Sempre amantes da vida. Deslumbrados com cada segundo de riso, com as cores inconstantes do céu, com a força que ainda há nos pulmões. Talvez por suspeitarem, no fundo até temerem, que possam ter uma vida mais curta do que eu. E por isso, tenham mesmo que fazer valer a pena.

Ao meu coração,
a dor, o sangue e a paixão de quem acaba de parir.