Thursday, March 30, 2006

21 DE MARÇO

Fico pensando se não nasci pra ser outono.
Pra fazer com que as coisas e as pessoas se renovem
se transformem, acreditem na primavera de amanhã.
Fico pensando se não nasci da natureza, quase como terra.
De modo que a falta de paz do mundo me consome e me incomoda.
Não consigo viver sem luz.
Seria um outono sem força pra derrubar uma folha sequer.
Não consigo viver sem esperança,
porque é por ela que o outono vive.
Não consigo viver sem anunciar algo melhor,
sem acreditar nisso.
Não consigo agir sem que no meu peito já aconteça o verão
e a primavera.
Ás vezes chove em mim, sei que são coisas da estação.
Uma tristeza que deságua e inunda tudo,
um cansaço momentâneo, uma perda de razão.
Junto com um vento agitado que parece derrubar
todas as minhas certezas.
Esqueço de onde vim, para que, para onde vou.
E fico perdida como as últimas flores das árvores
Até que meu sol venha me aquecer e clarear de novo
Pedindo levemente pra eu contar o que eu já sei
Pra levantar do chão
E fazer tudo balançar
Até que a primeira folha possa, enfim, sair do lugar.

Wednesday, March 29, 2006

QUADRILÁTERO UIVANTE

Fortifica-se o conhecido medo
com o som do quadrilátero uivante
Sempre no cair da noite
Em uma febre de humor inconstante

Desce a escada cinzenta
com um dos seus sorrisos de festim
Dúvidas ácidas e nenhuma certeza barulhenta
Uma oração pelo fim

Mas no segredo desamado do peito
Sobra o que se chama de verdade visceral
Um encontro de amor não faz mal.

Desliga a Tv e se livra do telejornal.

FRIOS

Pedi uma tábua de frios
Com o intuito romântico de combinar
Nada estaria tão gélido, meu querido
Quanto o meu jeito de te olhar

Deixei que bebesse o martini
E coloquei uma azeitona pra decorar
Se não se engasgasse com isso,
Sufocava com o que eu ia falar

Permiti que a música corresse
Que seu sorriso doce me convidasse pra dançar
Só pra puxar o tapete
E vê sua moral desabar.

Agora sim, estendido na porta
Fica bem mais fácil de chutar
Você conhece minha educação:
Avisei que ia lavar minhas mãos
Bem antes de saborear.

Monday, March 27, 2006

Nem sequer formou uma cicatriz

E seu cigarro
Já veio certeiro em direção ao meu peito
Queimou a última esperança
E transformou em cinza o que eu tinha criado
[ e nem te contado
Se dobrou sobre si
Como quem termina de gozar.

Nem sequer nasceram as horas todas
E sua respiração já estava na porta
Seus passos machucando meus ouvidos
E as últimas dúvidas prontas para tomar café comigo
[ tudo triste e muito bem servido

Nem sequer formou uma cicatriz
Porque eu tinha acabado de soprar
Certa de que logo ia estancar
O que quase me matou por um triz

Haveria de melhorar
[ é só não olhar
Pena que você não quis.

Friday, March 17, 2006

UM SEGUNDO SEM AS HORAS

Nem com regime eu caberia
Naqueles 4 x 4 milímetros
Sob o olhar impiedoso dos ponteiros
[melhor chamá-los porteiros
De mais uma voluntária prisão.

Não sei quem te disse
Mas meu endereço não é esse
Na esquina das dez para as duas
onde o sol nem passeia nas ruas
Nem que meu mundo desaparecesse

Não adianta que eu não te espero
Nem você, nem esse tal de domingo chegar
Não tem quem me faça parar
Dia útil é todo dia, ou não?
pra quem pode acordar
Veja bem se não é essa a data marcada
pro seu calendário se aposentar

Não adianta que eu não sei
desse negócio de conversar com o colchão
Se hoje ainda tem um tempinho pra vida

A propósito:
Quer sair por aí dado a mão?

INTERDITADO

Eu te pergunto na boca pequena
Se o caminho estiver errado,
Quantos passos valeram a pena?
Um ou uma centena?

Se a estrada não era a que parecia
Quantas vezes foi só teimosia?
Quantos quilômetros ainda andaria?

Fico pensando no fim da canção:
Será que no ponto final tem lição?
Será que a dor foi minha opção?
Aonde tinha um aviso de contra-mão?

Me diga quanto isso me teria valido.
E o principal: quanto me custou?
Até quando se anda
pra se achar o sentido?
Quanto tempo perdido
Meu coração roubou.

Thursday, March 16, 2006

ENTRE (os) CARAS E METADES

Entre caras e metades
Eu fico com a primeira opção
Tudo bem, não tem romantismo
Mas tem tequila com limão
Entre caras e metades
Eu fico com a última ligação.
Conheci ontem de tarde.
Mas pra que serve a imaginação?
Eu fico com o malandro de verde
com a perna apoiada no portão
Sem amor pra falar a verdade
Mas amante da diversão
Fico com a madrugada rouca
ao pôr-do-sol, na voz e violão
Nenhuma tele-mensagem.
Te adoros de curta-duração.
Mas prefiro tudo isso
e vou manter minha confissão
Nunca mais sonhos, promessas e vertigens
Nem signos e combinação
Pelo menos até alguém aparecer, sei lá
Com rosas na mão.

Homem

Eu já li homem de Marte
Já vi o flamengo
e o Estadão
Já pisei descalça em ponta de cigarro
Já perdi o medo de avião
Já comi feijão preto de 7 dias
Já fiz xixi em roda de caminhão
Já pedi essa sua saideira
E não me vem nenhuma explicação
Agora eu não quero saber de nada
De calça, de baba, de aviação
E esse homem de marte
Que vá pra porra do plutão.

trânsito

Não encontro
no encontro dos astros
uma linha que me sirva
Como destino final
Na palma da mão só um cigarro, baby
E não adianta
que não curto bola de cristal
Ninguém explica
Esse trânsito caótico
[ pode ver que deu até no jornal
Tudo parado no meu trânsito astral
Sol na casa 2,
Lua na casa 1,
Eu é que não vou parar em casa, afinal.

Não me leve a mal.

extintor

Prefiro o rio
à cadeira do escritório
Prefiro a madeira
ao apontador
Prefiro o pôr do sol
à xérox
Prefiro o canto do pássaro
ao do zelador
Sou nativo da vida
Não nasci trabalhador
Não tenho cópias das chaves do mundo
Nem coleciono botões de elevador
Em caso de emergência, eu quebro
o vidro, a rotina, a cara
Quase sempre sem dor
O dia não nasce nem morre
Nesse quadro de luz,
Atrás da porta,
Do lado do extintor.

dormindo abraçado

Me encontraram arrasado
deitado
com roupas de ontem
e conversas de sábado
vomitando palavras com álcool
um olho inchado
de uma ressaca moral
Me encontraram
Na esquina, deitado em jornal
dormindo abraçado
[acreditem
com um problema banal.

cuidado com ele


Tô naquela fase em que todo cuidado é pouco.

E todo carinho é pouco. E todo beijo é pouco. E todo fogo é pouco. E todo amasso é pouco. E todo tempo do mundo é pouco. Por falar em tempo, já tem algumas horas que briguei com você.

Mas quer saber? É bem pouco.

essa menina

Fui feita de azul. Daquele azul forte, turqueza, que pintou o mar e o céu. Deus deve ter derramado todinho em meu coração. De modo que é só abrir a janela para a alegria entrar como vento nos pulmões. Tenho uma mania de nascença de brincar com a vida, de achar graça em tudo. Posso me apaixonar por coisas que estão sempre ali, como o mar (adoro o mar!). E acreditar no que não se pode ver, como meu Cristo. Acho que o amor tem luz. Quem tem um coração cheio brilha, como a manhã, como o sol do meio-dia. E quem brilha, tem que iluminar: um canto escuro, um amigo, um desconhecido, um lugar, alguém que precisa. Meu caminho, peço a Deus, que seja sempre o do bem, da bondade. Havendo dificuldade, que haja fé! E que minhas pegadas sejam leves como as de uma criança. Se um dia aparecerem bem marcadas, é porque andei pulando de alegria.

Não sei



Não sei

Com você eu não sei o que é certo ou errado
Até onde vou
Até onde fico parado
Não sei se está cedo
Ou se acabo atrasado
Se está tudo leve
Ou meio pesado
Não sei se eu devia ter dito
Ou aliviado
Não sei que história é a nossa
Presente ou passado
Não sei se eu ainda devia estar acordado
Se meu corpo devia estar mais para o lado
Se é tesão, paixão
ou se é fardo.
Minha alma gritando
E o destino

calado.

Um dia só

Há se esse dia não tivesse existido
Nem essas flores
Nem o riso
Nem o sol entrando pela janela
Nenhum batucar de panela
Nenhuma vez aquarela

Há se esse dia emudecesse
E o meu rosto entristecesse
Sem graça
Sem brilho
Sem choro

E o que seria da vida
dos dias, das tardes infinitas
dos olhos,
aonde vou pôr?
Agora sem brincadeiras
Ruas vazias
Histórias passageiras
Céu de telhas
Pés sem marquinhas verdadeiras

Há se esse dia não tivesse existido
Meu Deus, que castigo
Ainda bem que não aconteceu

Um só dia, uma só aurora
E desde aquele dia
até agora
tudo viveu.

Feliz aniversário.

depois da chuva


Eu vi que ela tinha um olho d’água.
Porque por onde ela andava , eu via o olho tremendo, segurando aquela piscina (ou sina).
Sentei bem em frente a ela e fiquei calado, observando.
Ela achava que quando o sol batesse ia secar.
Eu sabia que não.

Mas queria estar perto só pra ver formar o arco-íris.

Onde moro

Se eu te falasse que no lugar onde eu moro
o céu muda de cor, você não ia acreditar.
E que muda toda hora, andando na rua, indo pra escola
da cor dessa blusa, só pra combinar.
Deixa pra lá.
Se eu te dissesse que eu moro em um lugar
que não dá pra ver o fim, você ia rir de mim.
E mesmo que eu te leve lá, que te faça caminhar
tem sempre uma linha assim, bem assim:
de quem sabe desenhar.
Se eu te contasse que no lugar onde eu moro
cai água do céu,
você ia dizer que é mentira.
Assim na cabeça da gente, sem querer,
sem pedir, de repente!
Imagine. Você ia dizer que é fantasia.
Mas eu ia te deixar assustado
quando falasse do sopro calado
que balança a copa do coqueiro,
puxa o fio do seu cabelo
e que ninguém vê passar.
Mas você não acredita em nada.
Nem na água que nunca acaba.
Nem na bola de madrugada
Nem na ave que não usa escada.
Você vai voltando pra casa.
E eu,
vendo que você nem percebeu,
penso em outra coisa pra contar.